sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Fogo andaluz

Verde que te quiero verde.
Verde vientos. Verde ramas.
El barco sobre la mar
y el caballo en la montaña.
Federico García Lorca — Romance Sonámbulo


Debulhada está minh'alma, como o trigo. Este som faz isto comigo, e perde a palma de minha mão no fogo andaluz. A guitarra seduz, plange a voz que canta, encanta a voz que chora, que lamenta o longe. Em algum onde, lá em Andaluzia, a poesia ainda vive como outrora.

Agora, não é preciso visitar Córdoba nem conhecer as ruas de Sevilha. Minha alma palmilha estas estradas que diviso, pela poesia de um tal Federico, pelo rico som daquelas paragens, daquelas miragens espanholas, daquelas castanholas tão ciganas, tão gitanas, tão sacramente profanas.

Festa pela fresta dos sentidos, esquecidos nos vagares destes campos. A viola pelos lares de meus cantos penetra o rubro sangue e a rubra rosa em mim. Ai, Sevilha, tudo que sei de tua lua prateada não aprendi nas tuas ruas, mas nas minhas. Meu pé não te caminha, mas o faz os meus sentidos, confundidos na lubricidade, na lascívia deste cello que imita a tua voz.

Na foz lânguida deste meu rio, forma-se o teu mar viril. A virilidade destes acordes, destas vidas, é contraste em minha tibieza. Somente nos encontramos na beleza de alguns versos, que eu só sei pressentir por carpir minha fraqueza e desejar a aurora deste outrora que nunca tive, mas vive latente a latejar sem fim, sem mim... que vive quente como uma boca carmesim.

Minha sensação é estranha, ao mirar o barco, que descreve um arco sobre o mar, e o cavalo na montanha. É como se a bailarina espanhola, na manhã pequenina e sem fim, se despisse pagã e eternamente p'ra mim.





Publicado no dia 27 de fevereiro de 2004 em
http://www.icaroberanger.blogger.com.br/.

Um comentário:

➔ Sill Scaroni disse...

Um blog muito interrante que foge do lugar comum.
Parabéns.

Sill